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Artigo de ROBERTO DELMANTO JUNIOR (BETO)



A ilusão do imediatismo penal



ROBERTO DELMANTO JUNIOR
Mestre e doutor em processo penal pela USP, advogado criminalista, é professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), conselheiro estadual da OAB/SP e coautor do "Código Penal Comentado" e de diversas obras.


A "Castelo de Areia" desabou, a exemplo da "Satiagraha", que já está em frangalhos; retratos de "operações" midiáticas sem respeito à lei
Operação "Castelo de Areia", eis a alcunha. Poderia ser "Castelo de Cartas" ou "Castelo de Palha".
Esse viés midiático da polícia em dar nome a certas investigações foi objeto de duras críticas por parte do Supremo Tribunal Federal, mesmo porque a mídia não deve, jamais, ser o foco da atuação policial.
Ocorre que essas "operações", não raras vezes, têm sido anuladas por nossos tribunais em decorrência de erros procedimentais elementares que, talvez por excesso de confiança, prepotência ou precipitação catalisada pela exposição, têm sido cometidos, com a sedutora ilusão do imediatismo penal.
É fato que nossos tribunais têm aceito denúncias anônimas para que se inicie uma investigação, devendo a polícia checar a sua veracidade, embora a Constituição Federal vede o anonimato.

É correto afirmar, também, que significativa parcela das denúncias anônimas são verdadeiras, levando ao esclarecimento de crimes e salvando vidas de pessoas sequestradas, sendo importante instrumento de combate ao crime no Brasil.
Essa mesma denúncia anônima, todavia, não é suficiente para, por si só, permitir que um juiz determine a interceptação telefônica de pessoas nela referidas, sob pena de violação da Constituição e da lei nº 9.269/96. Tal restrição se aplica a todo cidadão, seja ele rico ou pobre.
Isso é compreensível, porque o anonimato gera a mais absoluta irresponsabilidade de quem denuncia, abrindo espaço para acusações levianas, sendo temerário banalizar a interceptação telefônica, admitindo-a com tão pouco.
Foi com esse fundamento que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (nos habeas corpus nº 137.349 e nº 159.159) anulou grande parte da denominada operação "Castelo de Areia", que investigou a prática de crimes financeiros e de financiamento de campanhas envolvendo uma das maiores construtoras do Brasil.
A lição que se tem disso tudo é a de que os juízes que autorizam interceptações telefônicas precisam ter mais cuidado.
Se a polícia a eles apresenta uma denúncia anônima, que se determine a realização de investigações preliminares para só depois haver a quebra do sigilo telefônico. É cuidado elementar que muitas vezes não tem sido observado, gerando situações que causam repúdio, indignação e descrédito.
Repúdio de quem sofre a ilegalidade, tendo sua vida devassada com a interceptação telefônica ilegal; justa indignação do contribuinte, que assiste ao desperdício de recursos públicos em investigações policiais malfeitas e fadadas à ruína; descrédito, já que a mídia havia alardeado como certo aquilo que era incerto.
A "Castelo de Areia" desabou, a exemplo da "Satiagraha", que já está em frangalhos; retratos de "operações" policiais midiáticas construídas sobre o terreno arenoso e movediço do desrespeito à lei e à Constituição. Que se tirem lições de suas ruínas, como fazem os arqueólogos, para compreender erros e acertos do nosso Poder Judiciário.
- Publicado em "Resenha" no site EXÉRCITO BRASILEIRO - http://www.exercito.gov.br/
- O Jornal FOLHA DE S. PAULO publicou na segunda-feira, dia 23/5/2011, no "Tendências e Debates"

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